A proibição de animais domésticos pelas convenções de condomínio e sua análise jurisprudencial

A proibição de animais domésticos pelas convenções de condomínio e sua análise jurisprudencial

Assim como grande parte dos temas jurídicos, a proibição de animais pelas normas e convenções condominiais possui grande divergência na jurisprudência, em especial no Superior Tribunal de Justiça.

Isso porque, até os anos 2000 se entendia na jurisprudência dominante, que as convenções de condomínio, regularmente aprovadas, deveriam prevalecer sobre a intenção de alguns condôminos em ter em sua companhia um animal de estimação, o que apenas cumpria o acordo aprovado e não violava nenhum dispositivo legal.

Neste sentido julgou o Superior Tribunal de Justiça em 1998, conforme ementa abaixo:

CIVIL. CONDOMINIO. ANIMAL EM APARTAMENTO. A PROPOSITO DE ANIMAL EM APARTAMENTO, DEVE PREVALECER O QUE OS CONDOMINOS AJUSTARAM NA CONVENÇÃO. EXISTENCIA NO CASO DE CLAUSULA EXPRESSA QUE NÃO ATRITA COM NENHUM DISPOSITIVO DE LEI. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.(REsp 161.737/RJ, Rel. MIN. COSTA LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/1998, DJ 08/06/1998, p. 103)

Contudo, como é cediço, os animais domésticos têm ganhado espaço na vida cotidiana das pessoas, seja pela companhia que realizam, segurança, seja pela necessidade de se ter cães-guias ou no auxílio e combate de doenças humanas, físicas e mentais, tratamento esse denominado de Terapia Assistida por Animais – TAA.

Prova disso se traduz em números, pois na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013[1], verificou-se que 44,3% das residências possui pelo menos um cão, enquanto 17,7% possuem pelo menos um gato, o que totalizava, a época, 52 milhões de cães e 22 milhões de gatos.

O Desembargador Ênio Zuliani do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo chegou a escrever um artigo sobre Condomínio Edilício[2] e reconheceu que os animais são fundamentais para que determinados moradores desenvolvam sua existência, concluindo que é uma opção de vida que não permite censura, motivo pelo qual o afastamento desse convívio pelo Condomínio deve ser justificado com prova do prejuízo, incômodo e perigo.

Diversos julgados mais recentes passaram a conceder tratamento distinto, flexibilizando o entendimento anterior para permitir animais em condomínios desde que atendidos alguns requisitos.

Neste sentido, o TJDFT[3] entendeu que as normas condominiais devem ter por finalidade a preservação do sossego, salubridade e segurança dos moradores, além de resguardar o acesso, sem embaraço, às partes comuns conforme estabelece o artigo 19 da Lei 4.591/64.

Concluiu, portanto, que a questão tem sido flexibilizada permitindo animais de pequeno porte que não tragam transtornos aos demais condôminos e não perturbem o sossego alheio.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, também se debruçou sobre o tema algumas vezes, decidindo em sua maioria consolidada, que não existindo provas de nocividade e agressividade do animal, ou seja, não aparentando este, perigo aos demais condôminos, não torna justificável a proibição, conforme ementas abaixo:

CONDOMÍNIO REGIMENTO INTERNO PROIBIÇÃO TAXATIVA DE ANIMAIS NO PRÉDIO INVIABILIDADE GATOS E CÃO DA AUTORA QUE NÃO COMPROMETEM O SOSSEGO E A SAÚDE DOS CONDÔMINOS ANIMAIS PEQUENOS E DÓCEIS CONVIVÊNCIA REFORÇADA POR RECOMENDAÇÃO MÉDICA RESTRIÇÃO INADMISSÍVEL AO DIREITO DE PROPRIEDADE DECISÃO CONFIRMADA APELO DESPROVIDO. (Apelação nº 0000494-35.2012.8.26.0165, Rel. Des. GIFFONI FERREIRA, j. 05/08/2014)

CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIO Proibição de condômino manter animal doméstico em sua unidade, com exceção de gato e pássaros Pretensão do autor de ter em sua companhia um cão de pequeno porte (schnauzer miniatura) Vedação Animal que não causa desassossego nem coloca em risco a integridade física dos demais moradores Sentença de improcedência reformada Recurso provido. (Apelação nº. 0188818-78.2010.8.26.0100. Rel. Des. Marcia Tessitore. J. 05.05.15).

Embora grande parte dos julgados seja referente a cães e gatos de pequeno porte, o mesmo Tribunal concluiu que não há sentido direto na proibição apenas pelo tamanho do animal, pois um cão da raça labrador, por exemplo, é muito mais dócil e silencioso que um cão menor, conforme julgados abaixo:

o ou grande porte cause mais perturbação que um cachorro de pequeno porte, por se tratar de questão extremamente relativa. (Apelação nº. 0032626-63.2010.8.26.0506. Rel. Des. Neves Amorim. J. 05.08.14).

Verifica-se que o réu possui um cão da raça pastor alemão que, conforme veio comprovado nos autos é de porte médio. Se assim é, não se tratando de animal de pequeno porte, não se encaixaria na exceção prevista na Convenção do Condomínio. As regras estabelecidas na Convenção de Condomínio não devem ser interpretadas de forma absoluta, levando-se em conta o seu intento. Quando a guarda dos animais não traz qualquer problema ao condomínio, a vedação acaba extrapolando os limites da convenção e disposição condominial, interferindo no direito de propriedade do condômino. (Apelação nº. 0061903-41.2002.8.26.0000. Rel. Des. José Luiz Galvão de Almeida. J. 26.07.11).

Entretanto, em que pese os Tribunais de Justiça Estaduais tenham relativizado o entendimento de forma quase unânime, permitindo a manutenção de animais domésticos em condomínios, o Superior Tribunal de Justiça em dois julgados proferidos em 2015, reiterou seu entendimento definido em 1998, determinando a prevalência da Convenção de Condomínio, conforme transcrição abaixo:

No que diz respeito à proibição da presença de animais em condomínios, embora exista alguma divergência, a questão tem sido flexibilizada pela jurisprudência, principalmente quando se trata de animal de pequeno porte e que não seja nocivo à tranqüilidade dos demais condôminos. 

Isso porque, embora as regras de convívio coletivo possam determinar certas restrições aos direitos individuais dos condôminos, estas devem ter por finalidade a preservação do sossego, salubridade e segurança dos moradores, além de resguardar o acesso, sem embaraço, às partes comuns,  conforme estabelece o artigo 19 da Lei 4.591/64.

Sendo assim, regras que determinem a proibição absoluta de qualquer animal, englobando, assim, os que não provocam qualquer tipo de desassossego, risco à saúde ou insegurança aos condôminos, extrapolam o objetivo da vedação e, portanto, devem ser relativizadas.

(...) Porém, a proibição da presença do animal no interior da unidade autônoma da autora, considerando as peculiaridades do caso concreto, é norma que impõe obrigação desarrazoada e que deve ter sua aplicação afastada. Por via de conseqüência, a multa correlata a essa proibição não é exigível".

Tal posicionamento está em dissonância com a jurisprudência desta Corte firmada no sentido de que deve-se respeitar o que dispõe a convenção condominial acerca da questão da permanência de animais em unidades condominiais. No mesmo sentido as seguintes decisões monocráticas: AREsp 304.799/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJE 13/11/2014 e RESP 1.280.609/MG,  Rel. Min. Massami Uyeda, DJE 7/11/2011.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer a sentença de folhas 192/194 e-STJ.

(REsp nº. 1.350.721. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. DJ. 10.04.15).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. CRIAÇÃO DE ANIMAL. PROIBIÇÃO SOMENTE DAQUELES QUE COMPROMETAM A HIGIENE E A TRANQUILIDADE DO EDIFÍCIO. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O ANIMAL DO AGRAVADO TENHA SIDO ALVO DE RECLAMAÇÕES ESPECÍFICAS. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Nos termos da orientação jurisprudencial do eg. Superior Tribunal de Justiça deve prevalecer o ajustado entre os condôminos na convenção do condomínio acerca da criação de animal em unidade condominial. Precedentes.

(...)

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 676.852/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 11/09/2015)

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já foi instado a se manifestar algumas vezes sobre o tema[4], especialmente com relação à violação constitucional da propriedade privada, mas em todos os casos analisados, tanto favoráveis, quanto contrários à permanência de animais domésticos, o Tribunal rechaçou os recursos por entender que a discussão sobre a possibilidade pauta-se em legislação infraconstitucional, motivo pelo qual por ofender a Constituição Federal apenas de forma indireta, não caberia Recurso Extraordinário.

Desta forma, ainda que seja uma tendência o reconhecimento da necessária inclusão de animais domésticos nas mais variadas relações jurídicas, inclusive com recentes decisões no âmbito do direito de família[5], certo é que infelizmente o Superior Tribunal de Justiça ainda não modificou sua jurisprudência, contrária aos Tribunais Estaduais, o que ainda pode trazer insegurança jurídica para o tema.

Isso porque se torna necessária a atualização jurisprudencial como forma de atender a uma demanda crescente relacionada a animais domésticos que ainda não possui previsão legal, pois o vetusto Código Civil de 2002, cujo projeto se iniciou em 1975 pelo então Presidente Ernesto Geisel, não trouxe nenhuma distinção ou qualificação destes animais, limitando-se a estabelecer regras de compra, venda, penhor ou usufruto, partindo-se da premissa que são bens destinados à geração de riquezas.

Referido conceito, ainda válido e utilizado, merece adequação, pois inúmeros são os animais destinados a companhia, afeto ou mesmo tratamento de pessoas, cujas relações devem ser preservadas e aceitas pela jurisprudência, ainda que sem previsão legal específica, mas utilizando os costumes e os princípios gerais de direito. 


NOTAS

[1] http://g1.globo.com/natureza/noticia/2015/06/brasileiros-tem-52-milhoes-de-caes-e-22-milhoes-de-gatos-aponta-ibge.html

[2] ZULIANI Ênio. Condomínio Edilício Aspectos Controvertidos. Revista Jurídica Lex. São Paulo, Lex, v. 52, jul./ago. 2011, Pág. 81/102.

[3]TJDFT. Apelação nº. 20110910103884, Relator: Waldir Leôncio Lopes Júnior, 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 11/04/2012, Publicado no DJE: 17/04/2012. Pág.: 111)

[4] AI 393.535/BA. Rel. Cezar Peluso. DJ. 14.09.04; ARE 952.112/BA. Rel. Dias Toffoli. DJ. 15.03.16; ARE 963.425/RR. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ. 24.05.16.

[5] O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu que a competência para julgar a posse compartilhada de animais decorrente de separação ou divórcio de pessoas é da vara de família e sucessões. Agravo de Instrumento nº. 2052114-52.2018.8.26.0000. Rel. Des. José Rubens Queiroz Gomes. 7ª Câm. Dir. Privado.